“Suite Habana” (Fernando Perez, 2003) é um mezzo-documentário que acompanha a vida de dez havaneiros comuns. Não há diálogos, mas as músicas e efeitos sonoros são fascinantes. Quase vale por uma visita a Havana – só faltam os cheiros. Uma hora e meia de um filme sem diálogos pode ser absurdamente tedioso, mas vale a pena, nem que você tenha que assistir em três sentadas. O único filme produzido em Cuba cuja câmera foge ao lugar-comum do cinema narrativo. A fotografia, os ângulos, os takes, tudo é plasticamente lindo e ousado.Entretanto, em termos de plasticidade e ousadia cinematográfica, nada se compara a “Soy Cuba” (Mikhail Kalatozov, 1964). Em plena crise dos mísseis, o governo soviético enviou uma missão à ilha para fazer “o grande filme cubano”. São quatro histórias ambientadas na Cuba pré-revolucionária, também sem diálogos, mostrando como a vida da população era insustentável e, conseqüentemente, justificando a Revolução. O soviético faz coisas com aquela câmera que nunca ninguém tinha ousado fazer. Ironicamente, “Soy Cuba”, uma das maiores obras-primas do cinema de todos os tempos, nasceu com objetivos políticos e foi morto por objetivos políticos. As autoridades cubanas acharam que o filme mostrava o país e seus habitantes de forma esquemática, simplista, condescendente, e não permitiram sua exibição na ilha. As autoridades soviéticas consideraram o filme insuficientemente ideológico (a grande arte sempre é) e também não permitiram sua exibição. Não comunista o suficiente para os soviéticos, o filme foi considerado comunista demais pelos americanos e também censurado. Até sua recuperação na década de noventa, quase ninguém tinha visto “Soy Cuba”. Dos clássicos do cinema cubano da década de sessenta, dois merecem destaque: “Morte de um burocrata” (1966) e “Memórias do subdesenvolvimento” (1968), completamente diferentes e obras do mesmo diretor, Tomás Gutierrez Alea, o papa do cinema cubano.“Morte de um burocrata” é uma comédia sobre um operário-modelo que, em honra de seus anos de serviço impecáveis, é enterrado por seus colegas com seu carnê de trabalho. Entretanto, a viúva precisa do carnê para receber sua aposentadoria. O filme mostra o desesperador labirinto burocrático que ela e seu sobrinho precisam percorrer para conseguir desenterrar o velho e pegar o documento. Mais uma vez, críticas ao governo do começo ao fim. “Memórias do subdesenvolvimento”, de todos os filmes cubanos observados, é ao mesmo tempo o mais pró-Revolução e a obra de arte mais bem-construída. Baseado no romance homônimo de Eduardo Desnoes (que faz uma ponta no filme como ele mesmo), mostra a vida de um burguês rico que decide ficar em Cuba após a queda de Batista e a emigração de toda sua família e amigos, inclusive a esposa. O filme tem um movimento ideológico interessante. Há críticas ao novo governo do começo ao fim, mas, como são feitas pelo protagonista reacionário e antipático, a mensagem do filme acaba sendo: vejam, a Revolução está tirando os privilégios dos burgueses e eles não estão gostando, os canalhas! Não se deixem enganar pela ideologia: é um filmaço, bem-conduzido, bem-realizado, fascinante, obra de arte do começo ao fim.Da produção recente, dois filmes que quase não foram badalados: “Aunque estés lejos” (2003) e “Lista de espera” (2000), ambos de Juan Carlos Tabío.“Aunque estés lejos” tem um dos roteiros mais originais do cinema cubano contemporâneo. Uma equipe do ICAIC está na Espanha buscando patrocínio para um filme – praticamente todos os filmes recentes do ICAIC têm co-produção européia. À medida que vão sugerindo idéias de roteiro, as sugestões vão se incorporando à “história real” vivida pela equipe do ICAIC, até o ponto em que não se sabe mais onde começa uma e termina a outra. Por fim, “Lista de espera” mostra um grupo de cubanos em uma parada de ônibus isolada, esperando um ônibus que nunca chega. Nesse meio tempo, interagem, se amam, se odeiam, brigam, tudo aquilo que fazem dezenas de seres humanos desconhecidos obrigados a conviver por um longo período de tempo. Ótimo filme.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
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